De “Coronel Ustra” a “Samantha do Abílio”: o perfil das Câmaras de Vereadores eleitas nas capitais do Brasil

Alterado em 10 de dezembro de 2024 | 11:05

Coronel Ustra, em Porto Alegre, e Samantha do Abílio, em Cuiabá, ilustram o perfil das novas Câmaras de Vereadores, eleitas nas capitais do Brasil para o mandato que se inicia em 2025. Lideradas pelo PL, candidaturas de religiosos e militares avançaram em diversas cidades, garantindo mais espaço nos parlamentos a partir do próximo ano. O movimento nos municípios é semelhante ao que ocorreu em Brasília, em 2022, quando o partido de Jair Bolsonaro conquistou o maior número de cadeiras na Câmara Federal.

Numericamente, o Partido Liberal (PL) venceu em quatro das cinco regiões do Brasil. A legenda perdeu apenas na região Norte, onde o MDB e o União Brasil tiveram mais vereadores eleitos nas capitais, somando 23 e 20, respectivamente. Com 98 candidaturas eleitas, o PL é o líder isolado no ranking dos partidos que mais elegeram vereadores em capitais do Brasil. Na segunda colocação aparecem o Partido Social Democrático (PSD) e o Progressistas (PP), que elegeram 70 vereadores/as cada e exemplificam o avanço da centro-direita. O primeiro partido de esquerda no ranking é o Partido dos Trabalhadores (PT), na sétima colocação – com 60 eleitos.

O PT segue sendo a principal força da esquerda nas Câmaras de Vereadores nas capitais, e é seguido pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que elegeu 47 candidaturas. O PSB mostra sua força predominantemente no nordeste brasileiro, onde elegeu 32 cadeiras nas capitais da região.

Alguns partidos também se destacam ao eleger o/a vereador/a mais votado/a do município. O PL, por exemplo, é o partido que teve o maior número de candidaturas com votações expressivas. Em 10 das 26 capitais, o PL teve o vereador mais votado, e estão distribuídos em todas as cinco regiões, sendo três capitais no Sudeste, duas no Sul, no Nordeste e no Centro-Oeste, e uma na região Norte.

Se em números o PL avança, em diversidade ocorre o contrário. Dentre os partidos que mais elegeram vereadores em capitais, a sigla é a mais desigual racialmente. Dos 98 eleitos, apenas 4 se autodeclararam negros/as. A cor/raça branca predomina com 68 dos eleitos. O PT aparece como o partido com o maior número de candidaturas negras eleitas em capitais, sendo 15 das 60. Ainda pelo PT, 31 brancos e 14 pardos conquistaram assentos nos legislativos. Fazendo outro recorte dentro do ranking principal, é possível perceber que nenhum partido de direita elegeu mais que dez negros/as no total das capitais do país. De forma geral, candidaturas brancas ainda prevalecem em todos os espectros políticos.


Militares e Religiosos

Em 2016, Jair Bolsonaro votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff “pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra”. Em 2024, Bolsonaro foi o principal cabo eleitoral de Marcelo Ustra, o “Coronel Ustra” (PL), vereador eleito em Porto Alegre. Sobrinho de Carlos Alberto, Marcelo fez parte da equipe de segurança do Governo Bolsonaro e teve sua campanha pautada em propagandas e vídeos vinculados ao ex-presidente. Coronel Ustra, o tio, foi o primeiro torturador condenado no Brasil. Apesar de eleito, Marcelo Ustra teve baixa votação e só garantiu uma cadeira graças ao quociente partidário, entrando pela última das 35 vagas à Câmara de Porto Alegre. Com 2.669 votos, Ustra fez menos votos que outros 26 candidatos não eleitos.  

Somadas todas as capitais do Brasil, 25 militares e 9 religiosos foram eleitos – e a maioria para primeiro mandato. De acordo com o registro das candidaturas no TSE, entre os militares, apenas quatro foram reeleitos. Outros 21 irão exercer o primeiro mandato, ou seja, são lideranças novas no cenário político municipal. 

Dos 25 eleitos ligados à pauta militar, apenas duas são mulheres: Comandante Nádia (PL-RS) e Delegada Tathiana (UNIÃO-PR). O partido que mais elegeu vereadores militares em capitais foi o PL, com dez nomes. Na sequência, aparece o PP – com quatro eleitos. A região com o maior número de militares eleitos é o Centro-Oeste, com nove eleitos. A Câmara de Vereadores de Goiânia será a com mais representantes militares: seis vereadores.

Região com mais militares eleitos em suas capitais, o Centro-Oeste não elegeu nenhuma candidatura religiosa identificada no nome de urna. Já as regiões Sul, Sudeste e Nordeste elegeram uma candidatura religiosa cada, e a região Norte aparece com seis eleitos. Portanto, nove vereadores com ligação religiosa explícita estarão nas Câmaras das capitais brasileiras na próxima legislatura. Com predomínio dos partidos de centro-direita – de PSD a PL -, apenas dois dos nove foram reeleitos, e todos usam denominações evangélicas, tendo suas candidaturas identificadas como “pastor” ou “pastora”, sendo cinco homens e quatro mulheres.

Professores/as

Entre aqueles que levam suas profissões para o nome de urna destacam-se também vereadores eleitos com denominações de “professor/a” e “doutor”. Nas capitais, 21 professores/as foram eleitos vereadores, com predomínio para a região Nordeste, onde sete candidatos se elegeram. Dos 21 eleitos, oito concorreram à reeleição e o destaque está para o alinhamento político à esquerda. O PT elegeu cinco professores/as, e o PSOL, três. De modo geral, há uma diversidade de partidos, com exceção do PL, pois não elegeu nenhum professor/a nas capitais brasileiras.

O PSD no Rio de Janeiro e o PSB em Recife merecem destaque. Das 51 cadeiras na Câmara Municipal carioca, 16 serão ocupadas por vereadores do PSD – partido de Eduardo Paes, prefeito reeleito. Já na capital pernambucana, 15 das 37 cadeiras serão ocupadas pelo PSB – partido do prefeito reeleito, João Campos. Em Teresina, o PT elegeu 7 das 29 cadeiras e, em Maceió, o PL elegeu 11 das 27.

Poucas mulheres entre mais votados

Apesar das expressivas votações de Samantha Iris (PL) e Priscila Costa (PL), em Cuiabá e Fortaleza, respectivamente, as mulheres ainda são minoria entre as candidaturas a vereança mais votadas nas capitais brasileiras. Dos 26 vereadores(as) mais votados, apenas quatro são mulheres. Além das duas primeiras, Silvane Ferraz (MDB), de Belém (PA), e Karla Coser (PT), reeleita em Vitória (ES). 

A partir dos dados colhidos da plataforma de apresentação das candidaturas, organizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também é possível apontar uma maioria de candidatos eleitos autodeclarados brancos, representando 54% dos vereadores(as) que aparecem no ranking dos mais votados nas capitais. Os dados apontam ainda a ausência de pessoas LGBTQIA+ nessa lista.

Gênero e desinformação

Utilizando o nome do marido na urna, Samantha não poupou o uso político da imagem de Abilio Brunini (PL), deputado federal e candidato eleito à Prefeitura de Cuiabá, para garantir sua projeção política. Em sua primeira candidatura, a também líder religiosa propôs uma campanha ligada às chamadas ‘pautas de costumes’ e ao ‘antipetismo’.   

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Com um investimento de mais de R$ 210 mil na campanha, a agora vereadora eleita se amparou em discursos vinculados a pautas conservadoras e, muitas vezes, cercadas de desinformação e discurso de ódio, como a “ideologia de gênero”, o debate contra os direitos reprodutivos das mulheres e também a respeito da descriminalização do uso da maconha. Este movimento lhe rendeu o título de mulher mais votada na história da disputa pelo legislativo municipal de Cuiabá. 

Segundo a Prof. Drª Bruna Irineu, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), as “pautas de costumes” acabam sendo acionadas pelos candidatos que buscam se eleger em contextos conservadores. 

“De certa forma, Cuiabá, assim como todo o Mato Grosso, nunca foi uma referência em políticas inovadoras no tema dos Direitos Humanos. Um exemplo é que não temos uma Política Estadual LGBTQIA+. Então, o uso de temas como gênero e sexualidade, considerados polêmicos, como a ‘ideologia de gênero’ e os debates ligados aos direitos reprodutivos, são facilmente utilizados para ganhar votos num contexto onde existe um lastro conversador como o nosso”, diz a pesquisadora. 

Em grupos de aplicativos de mensagem ligados à base de Samantha, foram comuns os compartilhamentos de desinformação ligados aos temas considerados polêmicos, em sua maioria referentes às questões de gênero e sexualidade. O discurso seguiu alinhado à campanha de Abílio, que também declarou publicamente ser contra as pautas dos campos progressistas. 

Nesse contexto, e diante dos parlamentares eleitos em outras regiões do país, Bruna reforça que as pautas LGBTQIA+ seguirão tendo dificuldade em avançar nos legislativos municipais como o de Cuiabá. Entretanto, a pesquisadora destaca que na capital mato-grossense a diferença está no cenário que se desenhou para o Executivo, com a eleição do marido de Samantha. 

“Há muitos anos temos uma Câmara pouco representativa para a diversidade, isso é fato. Nós nunca conseguimos eleger um vereador ou vereadora LGBTQIA+, que dirá comprometida com o movimento. Então acredito que nossas demandas continuarão encontrando muita dificuldade de caminhar no legislativo municipal. Agora a grande diferença é que assume no Executivo um prefeito que já declarou publicamente que é contrário às pautas LGBTQIA+ e que na sua experiência como deputado tem um histórico de violência contra deputadas trans”, observa a pesquisadora. 

Ainda de acordo com Bruna, esse movimento mostra também que a simples eleição de mulheres não garante de fato o avanço de políticas públicas alinhadas aos Direitos Humanos. “A gente tem a possibilidade de compreender que não basta termos representações de mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+, se elas não possuem compromisso político com esses setores. Mais do que mulheres, precisamos de pessoas que tenham projetos políticos feministas”. 

Diferente do que mostra o levantamento na maioria das capitais, Porto Alegre contará com a primeira bancada LGBTQIA+ de sua história na próxima legislatura. Com Natasha Ferreira (PT), Giovani Culau (PCdoB) e Atena Roveda (PSOL), a “bancada arco-íris”, como definiu Atena, será uma porta de entrada para a presença da comunidade nas discussões parlamentares. “Nosso papel é fazer com que as pessoas que votaram em nós, e não somente elas, possam acessar e influenciar o debate público no parlamento. Que as nossas vozes possam dar continuidade às experiências vividas na rua. Tem um ditado que diz assim: existem portas que só se abrem por dentro. Nosso papel é abrir as portas por dentro”, disse em entrevista ao Sul21.

“O fato é que nós que compomos os movimentos sociais estaremos sempre em luta resistindo pela nossa existência. Temos que permanecer vigilantes e atentos. Acho que existe um caminho para construirmos em termos de ativismo pela garantia de direito pela população LGBTQIA+”, conclui Bruna.

* O levantamento dos dados foi realizado a partir das informações disponibilizadas pelo TSE, com base no registro de candidatura e no resultado das eleições municipais.

** As classificações de “militar”, “religioso” e “professor/a” foram feitas a partir do nome de urna das candidaturas. Outros podem se identificar com tais categorias, no entanto, não declaram no nome que foi à urna.

*** Reportagem colaborativa com Josué Gris, Sul21